A Ergonomia no Design da Moda

por Prof. Dr. João Gomes Filho

A Ergonomia, numa acepção ampla, tem como objetivo a busca da melhor adequação possível do objeto aos seres vivos em geral. Sobretudo no que se refere à segurança, ao conforto e à eficácia de uso, de funcionalidade e de operacionalidade dos objetos – mais particularmente nas atividades e tarefas humanas. Nesse contexto, a palavra objeto assume a significação de coisas de modo geral. Contempla, portanto, todos os produtos ou sistemas de produtos, desde os mais simples aos mais complexos ou sistêmicos.

No que se refere ao design da moda, os conhecimentos da ergonomia relativos à sua metodologia projetual são absolutamente necessários e sua aplicação contempla um imenso universo de produtos que configuram o vestuário e seus acessórios complementares e concorre como um instrumental valioso para a melhor adequação desses produtos aos seus usuários consumidores.

Devido a essa grande abrangência, vamos deter-nos em alguns exemplos demonstrativos pontuais da aplicação da ergonomia, mas que podem ser extrapolados para muitos outros, contemplando dois tipos de vestuário, o convencional e o profissional.

Vestuário convencional
            Um dos exemplos mais importantes da utilização da ergonomia é o das roupas íntimas, nas quais as soluções ergonômicas inteligentes são as mais necessárias em termos de segurança, conforto e comodidade corporal, além da facilidade do vestir.

Diz respeito, principalmente ao correto dimensionamento e especificação dos tecidos e de outros materiais e, como é óbvio, ao próprio design dos diversos modelos, peças e aviamentos que configuram esses tipos de vestimenta.

São peças usadas por pessoas com biótipos e percentis antropométricos (critério utilizado para classificar as dimensões do corpo humano para diferentes tamanhos) extremamente variáveis e com características corporais que mudam significativamente nas passagens para a adolescência, idade adulta e provecta, com diferenças significativas em termos de volume corporal – destacando-se especialmente as transformações relativas à nádegas, pernas e seios.

Esses dados ergonômicos, por sua vez, vão influenciar o design dessas roupas, consubstanciadas em grande variedade de tipos de produtos como, por exemplo, os sutiãs em seus formatos taça, 1/2 taça, triangular e outros.

Os sutiãs apresentam funções diversas: de simples proteção física; para aumento do volume do seio – enchimento no bojo de pano, de água, de óleo; estruturado com arame etc.; para amamentação (sutiã que se abre na frente, em parte ou totalmente); e até os especiais, com outras finalidades como, por exemplo, os apropriados para cumprir funções eróticas.

Complementando o sutiã, as alças (retas, cruzadas, transparentes, removíveis e outras) apresentam também variadas características, como, além de seu próprio formato, vários tipos de dispositivos de fixação, ajustes e regulagens, que permitem o uso de diferenciados decotes nas roupas.

Guardadas as devidas proporções, as mesmas considerações ergonômicas se aplicam a cuecas, calções e sungas, também configurados em diferentes modelos e cumprindo diferenciadas funções. Em todos esses exemplos, o design dessas peças deve apresentar soluções de configuração segura, confortável e, sobretudo, funcional, independentemente do estilo estético formal.

Outro exemplo de vestuário convencional e rico de aplicação da ergonomia diz respeito às calças de modo geral. Aqui se destacam estudos e soluções ergonômicas que devem estar integrados naturalmente às funções de uso, operacionais e estéticas, de que são exemplos:

  • na modelagem, que implica principalmente os aspectos de correta adequação de dimensionamento de perna, coxa, quadril, cintura, gancho, cavalo;
  • na funcionalidade, que implica uma série de itens, entre os quais podem ser citados a definição formal, a quantidade, o tamanho, o dimensionamento e a localização de bolsos;
  • nos passantes, que implica a definição de quantidade, do tamanho e posicionamento deles, em função de diferentes tipos de cintos;
  • nos aviamentos, que implica a correta escolha e especificação de tipos de colchetes, tecido de velcro, botões e zíperes para abertura e fechamento;
  • no conceito de flexibilidade de uso, como as calças que podem ser transformadas em bermudas.

Vestuário profissional
            Composto de uniformes, macacões, fardas, aventais etc. (em muitos casos, complementados por acessórios e dispositivos especiais), estes se caracterizam por vestimenta própria para as atividades de determinada profissão.

Supre principalmente necessidades de proteção e segurança operacional ou ainda qualquer outra necessidade que tenha como objetivo um vestuário comum para determinados indivíduos ou classe de indivíduos e, nesse sentido, os tipos e variedades de trajes são incontáveis, justamente por servirem para uso em inúmeras atividades sociais, culturais, esportivas e de trabalho principalmente.

A aplicação da ergonomia neste tipo de vestuário é intensa, justamente pelo fato de ser uma roupa predominantemente funcional. Seu design implica uma série de fatores, muito deles altamente científicos e tecnológicos.

Em síntese, o design do traje profissional – desde os mais simples aos mais complexos – deve ser pensado inicialmente em função de sua adequação funcional à ocupação do usuário. De modo geral, sempre dependendo da tarefa, pode ser conferido ao traje informações como as de identificação pessoal, funcional ou institucional, de características técnicas, de uso etc; provisão de bolsos, alças, ganchos, engates especiais, locais para a eventual guarda de pertences como ferramentas, instrumentos e outros acessórios ou dispositivos estratégicos necessários para facilitar o trabalho operacional, de que são amostras os uniformes utilizados nas corporações militares; por trabalhadores na indústria, no campo e na construção civil; nas atividades esportivas, de transporte, de exploração espacial, e assim por diante.

Evidentemente, em alguns casos, o designer necessita trabalhar ou contar com o auxílio de outros profissionais na busca de informações para complementar seu trabalho projetual.

No caso de mergulhadores, pilotos de fórmula um e astronautas, por exemplo, os trajes são projetados cientificamente e ajustados individualmente, contemplando as características não só antropométricas como também as que se ligam a dispositivos específicos e necessários aos trajes, em função do meio ambiente e da natureza da tarefa que vão desempenhar.

Somados aos dois tipos de vestuário, existem os aviamentos (botões, zíperes, colchetes, lacres, etiquetas, velcro, linhas de costura etc.) que são peças geralmente intrínsecas e integradas às próprias roupas. Os acessórios complementares são compostos de uma infinidade de itens: calçados, cintos, relógios, jóias e bijuterias, chapéus, bonés, gorros, capacetes, gravatas, suspensórios, cachecol, luvas e muitos outros. No caso do vestuário profissional, há muitos e diversificados dispositivos de uso e operacionais, que auxiliam no desempenho das diversas tarefas inerentes a cada tipo de atividade.

É importante salientar que, particularmente no que se refere aos itens de aviamentos, de acessórios complementares e de dispositivos especiais, a ergonomia já se encontra disseminada e aplicada por meio da metodologia de concepção e desenvolvimento do projeto na especialidade do Design do Produto.

Uma referência importante que deve ser lembrada diz respeito ao talento e à criatividade que o designer deverá possuir para articular e conciliar as soluções ergonômicas com uma série de atributos relacionados ao design da moda, tais como os padrões e estilos estético-formais de aparência, desempenho, estabilidade, segurança e outros ligados principalmente à escolha e especificação dos materiais (por exemplo, tecidos resistentes, duráveis, impermeáveis, flexíveis, transpiráveis), aviamentos e processos e métodos de confecção.

Outra referência fundamental é a constatação de que a indústria do vestuário atende a uma população de usuários, femininos e masculinos, composta de bebês, crianças, jovens, adultos e idosos. São indivíduos que apresentam dados antropológicos, antropométricos (medidas lineares e volumétricas) e biótipos (endomorfo, mesomorfo e ectomorfo, e suas combinações) extremamente diversificados e com características corporais que variam significativamente.

Tais variações atualmente podem ser contornadas graças a estudos antropométricos (com dados estatísticos e dinâmicos) classificados de acordo com percentis específicos para cada tipo de indivíduo, tabelados em publicações ergonômicas.

A aplicação da ergonomia pressupõe também conhecimento, estudo, pesquisa e, sobretudo, experimentos (básico para correções e ajustes necessários – essenciais para produção seriada em grande escala) que devem fazer parte do repertório cultural do designer na utilização de seus principais conceitos, critérios, parâmetros, procedimentos e normas para orientação, concepção e desenvolvimento do produto.

Em resumo, os produtos para o vestuário devem ser concebidos e fabricados industrialmente com a correta aplicação da ergonomia, com destaque fundamental para os moldes e modelos confeccionados a partir de faixas dimensionais estabelecidas segundo os critérios mencionados (geralmente resultantes de complexos cálculos estatísticos no tratamento de uma dada amostragem de população de usuários).

Por último destacamos que, apesar da ergonomia exercer papel importante no projeto da vestimenta sua aplicação pode, eventualmente, ensejar um maior grau de flexibilidade no rigor de sua utilização. Isto muitas vezes acontece devido a uma maior prioridade conferida pelos designers ao estilo estético-formal das roupas e de outros fatores de ordem informacional, simbólica, semiótica ou emocional, que no final acabam predominando sobre os fatores funcionais de uso do vestuário.

João Gomes Filho
Doutor em arquitetura e urbanismo pela USP. Mestre em estruturas ambientais urbanas pela USP Designer industrial pela FAAP. Professor de cursos de graduação e Pós-graduação em design. Consultor em ergonomia e design.
Autor dos livros: Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual da forma / Ergonomia do Objeto: sistema técnico de leitura ergonômica / Design do Objeto: bases conceituais. Todos pela Editora Escritura. São Paulo.

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